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Apresentação em licitação de atestado emitido com os dados da matriz por um proponente caracterizado como estabelecimento filial ou vice-versa

Por Aniello Parziale e Cecílio Pires


Para fins de comprovação da qualificação técnica de proponentes em licitações, permite, a lei, a exigência de atestados que comprovem a experiência anterior, cujo regramento editalício deverá atender ao disposto no art. 67 da Nova Lei de Licitações.


Por mais que o referido artigo, através dos seus incisos e parágrafos, tenha tratado o assunto com riqueza de detalhes, o legislador não positivou, de modo a garantir segurança jurídica, a possibilidade da participação de uma empresa em licitação, por meio de matriz ou filial, apresentando um atestado que não seja emitido pelo estabelecimento que efetivamente participa do certame, sendo esse o nosso objetivo. Melhor explicando, trataremos abaixo da possibilidade de um estabelecimento matriz participar de uma licitação apresentando um atestado emitido em nome de uma filial e vice-versa, ou seja, a possibilidade de um estabelecimento filial participar do certame apresentando um atestado em nome da matriz.


Esclareça-se que o tema é tão pacificado que, em poucos parágrafos, apresentaremos o referido assunto, utilizando, como maior parte dos nossos argumentos, trechos de acórdãos prolatados por entidades de controle, como o Poder Judiciário e Tribunais de Contas.


Pois bem. Inicialmente, temos a esclarecer, que: “A sociedade empresária pode ser titular de mais de um estabelecimento. Neste caso, aquele que ela considerar mais importante será a sede, e o outro ou outros filiais ou sucursais (para as instituições financeiras, usa-se a expressão ‘agência’, para mencionar os diversos estabelecimentos). Em relação a cada um dos seus estabelecimentos, a sociedade empresária exerce os mesmos direitos, sendo irrelevante a distinção entre sede e filiais, para o direito comercial” (cf. Fábio Ulhoa Coelho, in Curso de Direito Comercial, vol. 1, 15ª ed., Saraiva, São Paulo, 2011, p. 114).


A criação de mais de um estabelecimento comercial pela sociedade relaciona-se à sua estratégia comercial, de modo a permitir a melhor prestação de serviços ou fornecimento em outra localidade, sendo transferido do primeiro, da matriz ou de uma filial para o outro ou demais a expertise da empresa ou capacidade operacional, fato que permite uma uniformidade de atuação, performance, qualidade, entre as unidades. Assim ocorrendo, poderá a direção da pessoa jurídica decidir qual será o estabelecimento matriz ou filial, sendo eleita, conforme ensina o professor Fábio Ulhoa, aquela que a sociedade reputar a mais importante.


Posto isto, "9. Conceitua-se matriz aquele estabelecimento chamado sede ou principal que tem a primazia na direção e ao qual estão subordinados todos os demais, chamados de filiais, sucursais ou agências" (TCU - Acórdão nº 3.056/08 – Plenário).


Por sua vez, "10. Como filial conceitua-se aquele estabelecimento que representa a direção principal, contudo, sem alçada de poder deliberativo e/ou executivo. A filial pratica atos que têm validade no campo jurídico e obrigam a organização como um todo, porque este estabelecimento possui poder de representação ou mandato da matriz; por esta razão, a filial deve adotar a mesma firma ou denominação do estabelecimento principal. Sua criação e extinção somente são realizadas e efetivadas através de alteração contratual ou estatutária, registradas no Órgão competente" (TCU - Acórdão nº 3.056/08 – Plenário).


Resta claro, portanto, que os estabelecimentos matriz e filial fazem parte da mesma pessoa jurídica, incidindo, aqui, o princípio da unicidade jurídica. Sobre tal questão, o eg. STJ já salientou que: "1. A filial é uma espécie de estabelecimento empresarial, que faz parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, não ostenta personalidade jurídica própria, e não é pessoa distinta da sociedade empresária" (REsp 1.355.812/RS, Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22/5/2013).


Não obstante isso, é oportuno asseverar que tal dinâmica, objeto de estudo do Direito Comercial, tem um impacto nas contratações públicas, pois ainda que se entenda que há autonomia relativa entre matriz e filial no que diz respeito aos aspectos fiscais e tributários, sob a ótica do direito civil constituem uma única pessoa jurídica, de modo que a capacitação técnica ou experiência demonstrada por filial aproveita a matriz e vice-versa.


Em outras palavras, ainda que se entenda que há autonomia relativa entre matriz e filial no que diz respeito aos aspectos fiscais e tributários, sob a ótica do Direito Civil constituem uma única pessoa jurídica, de modo que a capacitação técnica ou experiência demonstrada por filial aproveita a matriz e vice-versa.


Sobre tal autonomia relativa entre matriz e filial, salienta o eg. TCU, in verbis:


"13. A diferença entre matriz e filial ganha importância quando se refere ao regime tributário, tendo em vista que uma goza de autonomia em relação à outra. Assim sendo, é que se expede uma certidão negativa ou positiva para a matriz e outra para a filial. Nesse sentido, a título de exemplo, a matriz pode apresentar débito e a filial não, e vice-versa. Deste modo, para fins licitatórios, os documentos de habilitação de licitante devem ser apresentados em nome da matriz ou da filial, não sendo permitido apresentar parte em nome da matriz e parte em nome da filial.

14. Acrescente-se que, se a matriz participa da licitação, todos os documentos de regularidade fiscal devem ser apresentados em seu nome e de acordo com o seu CNPJ. Ao contrário, se a filial é que participa da licitação, todos os documentos de regularidade fiscal devem ser apresentados em seu nome e de acordo com o seu próprio CNPJ.

15. Destaca-se, ainda, que há certos tributos, especialmente em relação ao INSS e ao FGTS, cuja arrecadação pode ser feita de forma centralizada, abrangendo, portanto, matriz e filiais. Se assim o for, tais certidões, mesmo as apresentadas pelas filiais, são expedidas em nome da matriz, sem que nisto haja qualquer ilegalidade” (Acórdão nº 3.056/08 – Plenário).


Sobre a questão da autonomia relativa, é importante asseverar que o acórdão retrocitado aponta, que, em algumas situações, os documentos apresentados nas contratações públicas são emitidos por apenas um estabelecimento, podendo ser utilizados por outro, a exemplo das certidões que comprovam a regularidade fiscal perante o INSS e FGTS.


Nesse passo, é importante apontar que o atestado de capacidade técnica é um outro documento que não é restrito ao estabelecimento que consta do mesmo, abrangendo todos os estabelecimentos da empresa, pois a capacidade técnica é adquirida pela pessoa jurídica e não pelo estabelecimento que atuou na execução do objeto, recaindo, aqui o princípio da unidade da empresa.


Não podemos nos esquecer que, nas palavras de Marçal Justen Filho, qualificação técnica consiste no domínio de conhecimentos e habilidades teóricas e práticas para execução do objeto a ser contratado.


Com efeito, executando o estabelecimento um determinado objeto, por exemplo, uma filial, tem-se que a expertise desenvolvida por ela é absorvida pela pessoa jurídica, estendendo a mesma sobre os outros, inclusive a matriz, e vice-versa, sendo, assim, é plenamente possível valorar sua experiência anterior como um todo.


Sobre tal questão, não é outro o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Vejamos:


"Suspensão – Atos administrativos - Em favor da ampliação da competitividade, não se demonstra favorável ao interesse público a restrição imposta pela Agravada quanto à impossibilidade de compartilhamento de atestados de capacidade técnica entre matriz e filial, que possuem CNPJs distintos no cadastrado na licitação, pois matriz e filial constituem uma só pessoa jurídica - De outro lado, cumpre lembrar que em se tratando de licitação na modalidade pregão, inquestionável o perigo na demora - Recurso provido" (TJSP; Agravo de Instrumento 2081914-91.2019.8.26.0000; Relator (a): José Luiz Gavião de Almeida; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 13ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 15/10/2019; Data de Registro: 18/10/2019).


"APELAÇÃO – Mandado de segurança – Pregão Presencial n.º 113/17 – Fornecimento de gasolina comum e óleo diesel – Inabilitação em virtude de constar no atestado de capacidade técnica o CNPJ da matriz, ao invés da filial – Inabilitação ilegítima – Mera irregularidade formal que não pode impedir a contratação da melhor oferta pela Administração Pública – Possibilidade de aplicação do disposto no art. 43, § 3º, da Lei 8.666/93 – Impetrante que já fornecia combustível há mais de cinco anos para aquela Municipalidade – Demonstração inequívoca de sua capacidade técnica que não pode ser suplantada por irregularidade sanável - Irrazoabilidade constatada – Reforma da r. sentença – Ordem concedida – Recurso provido" (TJSP; Apelação Cível 1010954-66.2017.8.26.0625; Relator (a): Silvia Meirelles; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro de Taubaté - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 01/03/2019; Data de Registro: 01/03/2019).


"Agravo de Instrumento – Mandado de Segurança – Pretensão de participar de processo licitatório, admitindo-se o cômputo de todos os atestados que possui, seja da matriz e de suas filiais, para fins de sua comprovação técnica – Decisão da Juíza "a quo" que entendeu pela concessão parcial da medida de urgência pleiteada, no sentido de garantir a participação e eventual habilitação da empresa agravada, considerando os atestados de capacidade por ela apresentados, ressalvando, no entanto, a necessidade de cadastro dos CNPJs na Bolsa Eletrônica de Compras – BEC/SP – Decisão agravada que merece ser mantida – Comprovação da qualificação técnica que se reporta a uma mesma pessoa jurídica – A existência de cadastros distintos não é capaz de descaracterizar a unicidade da pessoa jurídica, observada, porém, a necessidade de prévia inscrição e cadastro dos CNPJs, ainda que distintos, junto ao BEC/SP. Recurso desprovido" (TJSP; Agravo de Instrumento 2192156-59.2015.8.26.0000; Relator (a): Marrey Uint; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 8ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 10/11/2015; Data de Registro: 20/11/2015).


"A matriz é o estabelecimento principal, a sede, aquela que dirige as demais empresas que são as filiais, sucursais ou agências; a filial é o estabelecimento mercantil, industrial ou civil, sendo subordinada a matriz Esse fato permite concluir ser impossível matriz e filial participarem de uma mesma licitação, apresentando propostas distintas, uma vez que não é possível que uma pessoa jurídica concorra com ela mesma. Além disso, se a Administração permitisse que uma mesma pessoa jurídica participasse da licitação, apresentando propostas distintas para cada um de seus estabelecimentos, haveria flagrante ofensa ao princípio da competitividade e isonomia, uma vez que ela teria mais chances de vencer o certame do que as demais empresas que participaram de forma regular. Ademais, a Administração Pública contrata a pessoa jurídica, e não o estabelecimento empresarial….. Desembargador Pedro Manoel de Abreu, nos autos do Reexame Necessário nº 2013.045780-7, da Terceira Câmara de Direito Público, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, julgado em 17 de junho

de 2014" (Agravo de Instrumento nº 2081914-91.2019.8.26.0000 - Voto nº 42727 6).


Não é outro o entendimento do Tribunal de Contas da União e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Vejamos:


“O ato convocatório deve ter disciplinado a forma de apresentação dos documentos. Usualmente exige-se que os documentos estejam:

• em nome do licitante e, preferencialmente, com número do CNPJ e endereço respectivo, observado o seguinte;

• se o licitante for a matriz da empresa, todos os documentos devem estar em nome da matriz;

• se o licitante for filial, todos os documentos devem estar em nome da filial;

- No caso de filial, é dispensada a apresentação dos documentos que, pela própria natureza, comprovadamente sejam emitidos somente em nome da matriz.

- Os atestados de capacidade técnica/responsabilidade técnica podem ser apresentados em nome e com CNPJ da matriz e/ou da filial da empresa licitante” (cf. in Licitações e Contratos: Orientações Básicas/ Tribunal de Contas da União. – 3ª ed., rev. atual. e ampl., TCU, Secretaria de Controle Interno, Brasília, p. 143; disponível em <http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/licitacoes_contratos> (grifos nossos).


"Recepção de atestados de experiência anterior emitidos em nome de empresa controlada, controladora, coligada, e/ou sob controle comum da licitante, além de matriz estrangeira de filial brasileira, converge ao propósito de ampliação da disputa" (TCE/SP - TC-022485.989.21-4).


"A propósito dos atestados técnicos demandados nos itens 8.1.4 e 8.1.4.1 do Edital, ideal que as cláusulas correspondentes também passem por revisão, no sentido de tornar fora de dúvida a possibilidade de apresentação dos documentos indistintamente pela empresa matriz ou empresa filial, quando se tratar de matéria atinente à comprovação da capacidade técnica; afinal, trata-se de estabelecimentos de uma mesma pessoa jurídica.

(...)

d) reveja a redação dos itens 8.1.4 e 8.1.4.1, no sentido de tornar fora de dúvida a possibilidade de apresentação dos documentos indistintamente pela empresa matriz ou empresa filial, quando se tratar de matéria atinente à comprovação da capacidade técnica" (TCE/SP - PROCESSOS: 0016048.989.20-6, 0016131.989.20-4, 0016162.989.20-6).


Ante todo o exposto, portanto, tem-se que poderá a Administração Pública, seguramente, receber e declarar habilitado neste quesito um licitante que apresenta um atestado de capacitação técnica emitido por um estabelecimento (a exemplo da matriz) cujo CNPJ não está previsto no documento (filial).



Antonio Cecílio Moreira Pires

Advogado e Consultor Jurídico em São Paulo; Graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUCSP; Professor de Direito Administrativo, Chefe do núcleo temático de Direito Público e Coordenador do Curso de Especialização – Latu Senso - Direito Administrativo e Administração Pública, todos da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM, tendo no decorrer da sua carreira exercido cargos na Administração Pública do Município e do Estado de São Paulo, na União e em organismo internacional BIRD. Professor da Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo

Autor do livro "A Desconsideração da Personalidade Jurídica nas Contratações Públicas", publicado pela Editora Atlas (2014); coautor do livro “Comentários à Nova Lei de Licitações Públicas e Contratos Administrativos Lei nº 14.133/21”, publicado pela Editora Almedina (2022); coautor do livro “O Novo Registro de Preços”, publicado pela Editora Fórum (2024) e autor de dezenas de capítulos de livros e artigos sobre contratações públicas.


Aniello Parziale

Advogado e consultor em Direito Público; Mestre em Direito Econômico e Político pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Professor do Programa de Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie na modalidade distância; Professor universitário e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Embu das Artes – FAEM; Presidente da Cia Habitacional Pró Habitação de Embu das Artes/SP; Árbitro na Caraíve Arbitragem; Instrutor e palestrante sobre contratações públicas; Membro da Comissão de Direito Urbanístico da OAB/SP; Ex-Secretário de Assuntos Jurídicos do Município de Embu das Artes/SP; Ex-Gerente da Consultoria Jurídica da Editora NDJ.Professor da Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo

Autor do livro "Sanções Administrativas nas Contratações Públicas", publicado pela editora Fórum (2021), Autor do Livro “Aspectos Jurídicos do BDI”, editado pela Editora Fórum (2024); coautor do livro “Comentários à Nova Lei de Licitações Públicas e Contratos Administrativos Lei nº 14.133/21”, publicado pela Editora Almedina (2022); coautor do livro “O Novo Registro de Preços”, publicado pela Editora Fórum (2024); co e autor de dezenas de capítulos de livros e artigos sobre contratações públicas.




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